Kim Kataguiri discute Perdão ao PT com Marcelo Freixo
Kim Kataguiri discute Perdão ao PT com Marcelo Freixo matéria publicada no Jornal o Globo e Revista época mostra as duas opiniões divergentes de um membro do MBL e o Marcelo Freixo que declaradamente é um defensor de partidos como PT, PC do B e PSOL.
KIM KATAGUIRI, 24 anos, paulista
O que faz e o que fez: deputado federal pelo DEM, é um dos membros fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL). Neste ano, subscreveu com o MBL um pedido de impeachment de Jair Bolsonaro. Ganhou notoriedade ao protestar, em 2015, pela saída de Dilma Rousseff da Presidência. No mesmo ano, foi eleito pela revista Time como um dos 30 jovens mais influentes do mundo
MARCELO FREIXO, 53 anos, fluminense
O que faz e o que fez: professor de história e deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro. Presidiu em 2008, como deputado estadual, a CPI das Milícias, que resultou na prisão de milicianos e no indiciamento de 226 suspeitos. Foi por duas vezes candidato à prefeitura do Rio, tendo sido derrotado primeiro por Eduardo Paes, em 2012, e depois por Marcelo Crivella, em 2016
Um colunista do jornal O GLOBO defendeu que “é hora de perdoar o PT”, afirmação que acabou repercutindo em vários espectros da política. O senhor concorda?
KIM KATAGUIRI Discordo. Primeiro porque, para ter perdão, o PT precisaria assumir os erros. Ele não assume em nenhum momento que o Lula cometeu os crimes pelos quais ele foi condenado. Houve um escândalo não só de enriquecimento ilícito, mas de solapamento das instituições democráticas, submetendo o Congresso Nacional ao Planalto à base da propina. Houve agressividade e perseguição a jornalistas que faziam oposição ao governo. Nenhum dos principais erros do PT tem autocrítica por parte do partido. Não tem como perdoar alguém que não se arrependeu.
MARCELO FREIXO A ideia de perdoar leva a política para um lado de pecado, de uma ação sagrada que não ajuda a compreender os problemas. Mas vivemos momentos de ruptura da democracia, e o PT, maior partido do Brasil, com maior número de deputados, é muito importante. Você não precisa concordar com o PT para achar que ele é importante. Você não precisa concordar com o PSDB para achar que ele é importante. Acho que o debate sobre os erros é muito importante, mas, em nenhum momento, no governo do PT, do qual não fiz parte, houve ameaça às instituições democráticas. Contar com o PT no processo de restabelecimento da democracia brasileira, que está, sim, ameaçada, é importante. Se, para alguns, isso é “perdão”, eu respeito.
Desde a Lava Jato e a prisão de Lula, passando pela falta de uma autocrítica do partido, o PT conseguiu se desvincular da imagem da corrupção?
KK Ainda não. Primeiro porque ainda aceita como sua principal liderança, sua principal figura, o Lula. E ainda atacam a Justiça, falam em teoria da conspiração. O artigo do GLOBO coloca que é claro que o Lula cometeu crime e que as provas são robustas, mas isso não é admitido pelo PT. Se fosse admitido e houvesse trabalho de renovação de quadros do partido, aí, sim, se poderia falar de perdão. Mas o próprio Lula não parte da premissa de que é culpado e de que tudo seguiu o devido processo legal. O PT insiste no discurso de que houve golpe, de que não teve crime, de que o petrolão só envolveu três ou quatro diretores da Petrobras, o próprio mensalão… O manifesto do PT diz que o partido errou ao não regular a imprensa.
MF Não conseguiu. O bombardeio que foi colocado sobre o PT tem seus efeitos vivos até hoje. Um segmento importante do PT compreende seu desafio, para se refazer na luta pela democracia. Sobre a falta de autocrítica: o PT não é um corpo único. Há divergências. Acho que, mais do que autocrítica, o PT fez coisas que, se chegasse hoje ao governo, não faria igual. Muita gente que governou com o PT hoje finge que nada teve a ver com isso. Inclusive partidos de direita. Muita gente se aliou a Eduardo Cunha para combater a corrupção que via no PT. Muita gente votou em Bolsonaro para combater a corrupção. Talvez não seja só o PT que precise de autocrítica. Muita gente precisa. Autocrítica é bom para a vida. Não só na política.
Considera que esse “perdão” da sociedade ao PT é fundamental para que seja criada uma frente única de esquerda e diminua o clima de polarização e acirramento?
KK Acho que o que pode diminuir o clima de acirramento é ter novas lideranças. A polarização não diminuirá, porque o PT adere à polarização. O PT se recusa a assinar manifestos do bloco partidário da esquerda, quer uma candidatura encabeçada pelo próprio PT (em 2022) e se nega a dialogar, porque interessa justamente a ele que se mantenha o cenário atual, para não perder o protagonismo. O que se desenha hoje: Bolsonaro como a principal liderança de direita em 2022 e, pela esquerda, o Lula ou um indicado do Lula. Para o PT não interessa ampliar o escopo do debate e tornar o debate menos polarizado. Isso significaria o próprio PT abrir mão de espaço de poder. Sobre a polarização, o Lula sempre pregou uma narrativa de que “quem não está com o PT é porque odeia pobre”.
MF O governo distribui armas, e não respiradores. O governo fala em guerra civil e alimenta milícias políticas. O governo não respeita a ciência e faz o número de mortes por Covid-19 chegar a mais de 70 mil mortos. O governo alimenta manifestações de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Diante disso, é importante uma frente ampla de defesa da democracia. Mas isso exige grandeza. O momento não é para imaturidade. Não significa uma aliança eleitoral. É uma aliança republicana. Tem de ter grandeza de olhar para o adversário não como um inimigo. Quem olha para o adversário como inimigo é Bolsonaro. Eu não quero eliminar o inimigo. Tem gente que quer derrotar Bolsonaro, mas reproduz a mentalidade do bolsonarista que trata adversário como inimigo.
Qual é o maior impeditivo para a saída do isolamento do PT: o ressentimento do próprio partido, que investe na narrativa de injustiçado, ou o antipetismo?
KK O partido precisa parar de ter pensamento hegemônico, de ser cabeça de chapa. Qualquer outra liderança de esquerda que surge, eles já atacam como inimigos: Marina Silva, Ciro Gomes… a criação do PSOL foi assim. Se o PT não for hegemônico, se torna outra coisa. O antipetismo cresceu muito durante os anos petistas por causa dos escândalos de corrupção e da deterioração da economia. Agora com Bolsonaro, aumenta o antibolsonarismo e cai um pouco o antipetismo, o que é natural, porque quem está no poder tem mais desgaste.
MF O que cabe ao PT, acho, é luta pedagógica. O PT tem história de muita luta. História feita de vitórias, derrotas, acertos e erros. Agora, o PT, que é muito acusado de hegemonismo, precisa entender seus erros e refazer o projeto. Precisa ter a grandeza da construção coletiva, com um conjunto de forças políticas. O PT foi para o segundo turno da eleição. Ele não desapareceu. É forte no Norte, no Nordeste, em vários lugares. O PT tem trabalho de base, o PT precisa se refazer na base. Nesse ponto, acho que tudo é um pouco verdade. O PT precisa se defender do que considera injusto, mas precisa ouvir e trabalhar em conjunto com outras forças políticas. O PT tem um compromisso com a democracia em sua história. E agora tem de colocar isso à frente de sua própria sigla.
Vários partidos são investigados por corrupção, da esquerda à direita. Por que a pecha de corrupto colou mais no PT?
KK Porque o PT teve a chave do cofre por 13 anos. Naturalmente que escândalos maiores ocorrem no âmbito do governo federal. Houve estados que eram governados por partidos de oposição ao PT nos quais também houve escândalos de corrupção, mas eram escândalos estaduais. Escândalos federais, de maior magnitude, necessariamente passariam por quem teria a chave do cofre. O PT não só abriu os cofres para outros partidos, mas ele mesmo protagonizou esse saque aos cofres públicos. E tem essa narrativa petista de que a Lava Jato só foi atrás do PT e dos partidos aliados do PT. É natural que a Lava Jato agisse assim, porque investigou um escândalo de corrupção numa estatal cujo poder estava nas mãos do PT.
MF O PT fica com imagem mais forte (de corrupto) porque era o governo e era o partido mais forte. A Lava Jato foi uma bomba de destruição em massa. Destruiu inclusive quem a lançou. Hoje o Sergio Moro está numa situação muito delicada. Mesmo quem achou que se alimentaria dessa bomba fez emergir o que estava nas profundezas, que era o Bolsonaro. Então a disputa não era só para acabar com o governo do PT, era para acabar com o PT. E isso não conseguiram. O PT vai ser daqui para a frente o que já foi até hoje? Claro que não. E o PT sabe disso. Mas ele tem condições, por ser grande, de se reconfigurar. E a democracia agradece se o PT conseguir fazer isso. Existem grandes figuras públicas ali.
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